sexta-feira, 22 de março de 2013

O 1º Festival Internacional de Cinema do Brasil

A idéia do I Festival Brasileiro de Cinema nasce em Punta del Este, de uma frase casual que Phil Reissman, um dos diretores da RKO, soltou a Jorge Guinle à mesa da delegação americana, no dia do grande baile oferecido às delegações. Lembro-me que Jorge Guinle veio logo em seguida à mesa da delegação brasileira e me perguntou se eu conhecia Reissman. Claro que o conhecia. Tinha bem presente uma festa íntima oferecida com um grupo de amigos a Orson Welles, no Leblon, em 1942 e na qual se comeu, se bebeu e tocou violão a grande, para gáudio real daquele que se fizera, do dia para a noite, nosso ídolo com o seu famoso Cidadão Kane. Jovens cônsules e jovens escritores sentaram-se até a madrugada por ali tudo, ouvindo Jaime Azevedo Rodrigues recitar passagens inteiras do poderoso filme de Welles, este monologar trechos de Shakespeare e cantar velhas baladas elisabetanas. A nossa "vaquinha" (um conto por cabeça) e uma incomparável dona de casa conseguiram estender o whisky e os comestíveis até o romper da aurora. Saiu tudo bêbado mas feliz com o sucesso da festa. 

Orson Welles despediu-se sinceramente agradecido. Desse dia datou uma boa amizade, que me proporcionou, no meu estágio em Hollywood, acesso aos palcos de filmagem de Lady from Shanghai e Macbeth - o último dos quais acompanhei de perto. Orson Welles não se tinha esquecido da nossa esfuziante homenagem. Nem Reissman estivera na reunião acompanhando Welles, e topou cem por cento o tom geral, se entrouxando com raro espírito de iniciativa privada, o que lhe valeu um estado geral de prestação que não deixou de ser simpático à dona de casa e aos organizadores da festa. Mas voltando a Punta del Este. Reissman, mais tarde, chegou-se à mesa da delegação brasileira e me perguntou por que diabo nunca ninguém tinha pensado num Festival de Cinema no Brasil... 

Era o próprio ovo de Colombo. Dali em diante minha cabeça começou a ferver. Toquei no assunto mais tarde com Danilo Trelles, diretor da esplêndida cinemática da SODRE uruguaia e um dos grandes estudiosos de cinema dessas Américas. Digo que toquei no assunto porque, sinceramente, não gostaria que um Festival Brasileiro de Cinema pudesse prejudicar o Festival desse simpático país, tão carinhoso para com os brasileiros - futebol tirante. Mas Trelles não me pareceu se impressionar. A única ponderação que me fez é de que, de resto, está na cara da criança. 

Pouco depois, com as primeiras conversas ao pé do ouvido do governo, a idéia começou a tomar corpo e o presidente da República se interessou em princípio pela iniciativa, e uns poucos bate-papos entre Jorge Guinle, Manuel Bernardes Muller, Carlos de Laet e este cronista fizeram o resto. Durante o carnaval toquei-me para a casa de Alberto Cavalcanti em São Bernardo do Campo, perto de São Paulo, e em três dias redigimos umas 15 páginas explicando pouco mais ou menos o que nos parecia deveria ser um grande Festival de Cinema no Brasil. Grande mesmo no duro, pois mandamos para a cabeça, partindo do princípio que a fazer um Festival de meia-tigela era preferível não fazer nada. A minha experiência de Punta del Este me provara que uma excelente hospedagem não faz, por si só, um Festival. Os menores deslizes administrativos agitam-se tremendamente para esse tremendo egoísta que é o hóspede de certames de gênero: sobretudo em se tratando dessas incríveis primeiras-donas que são os atores e atrizes em geral. As idéias de Cavalcanti junto com as dos demais planejadores iniciais a princípio assustaram um pouco a umas tantas pessoas, por isso que representavam o conceito ideal de um Festival de Cinema no Brasil. Mas nós o imaginamos assim, contando justamente com as naturais restrições da realidade - certos de que se conseguisse dois terços do rendimento total ideal proposto, já se teria um Festival pelo menos tão bom como o de Cannes ou de Veneza: o que não é dizer pouco. Um Festival de Cinema que é uma coisa bastante cara. 

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